quinta-feira, 5 de novembro de 2009

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O troglossexual e o sacrossanto direito ao silêncio

shut your mouth by majezik - deviantart.com


Para quem não conhece o termo troglossexual, explico: cunhado pelo meu amigo Valcir, ele representa o nosso protesto ao que muitos tem tentado fazer ao homem, principalmente representa a nossa negação ao estilo de vida dos metrossexuais, überssexuais e outros sexuais que não sejam masculino-sexuais. O troglossexual é o homem que é homem, ou seja, tem pêlos, cospe no chão, coça o saco, fala palavrão, solta peido, bebe cerveja – ou outra bebida para macho – não usa creme anti-rugas, não faz limpeza de pele, não ajeita a sobrancelha e quando vai para a academia malha o bíceps e não os glúteos. Enfim, tendo explicado, retornemos ao ponto central deste manifesto (outra característica do verdadeiro homem, a objetividade), que é o sacrossanto direito ao silêncio, ou, em outras palavras, o direito de falar pouco.


Muitas mulheres reclamam repetidamente que seus machos não sabem conversar, praticamente deixando-as falando sozinhas. É verdade, não posso argumentar contra este fato, mas permitam-me dizer que esse é um indício – cara fêmea que me lê – de que você está acompanhada de um verdadeiro homem. O que vocês não entendem é que nós não possuímos a necessidade de expressarmos em palavras tudo o que se passa em nossas mentes, ou a incrível capacidade de transformar um relato que possa ser feito em cinco palavras em um discurso de infinitas laudas. E é interessante notar que muitas de vocês, quando fazem a lista das características ideais para o príncipe encantado, apontam a capacidade de ouvir como uma das principais. Ou seja, como vocês esperam que nós possamos ser bons ouvintes e ao mesmo tempo estejamos despejando nossas próprias opiniões, interrompendo seus intermináveis relatos de como foi o seu dia? E, apesar de poucos afeitos a longas conversas, nós, em respeito às suas características femininas, nos dispomos a ouvir tudo o que vocês acham importante nos contar, o que normalmente significa saber tudo o que aconteceu a partir do momento em que vocês acordaram até o momento em que está ocorrendo a conversa. Mas, mesmo estando dispostos a esse sacrifício, somos sempre repreendidos por conta do nosso silêncio.


Entendam, se vocês possuem o direito de falar tudo, nós temos o direito de nos manter calados, ou falarmos apenas o necessário. Minha sugestão é que vocês aproveitem aquele dia anormal em que seu troglodita preferido está emitindo mais do que alguns grunhidos. Talvez o time dele tenha vencido, talvez ele tenha sido promovido, talvez ele tenha bebido demais ou usado substâncias ilegais, talvez ele até tenha se encontrado com uma ex-namorada que lhe tenha chutado a bunda e descoberto que ela se casou, está gorda, flácida e tem mais varizes na perna do que o Brasil tem de estradas. Não importa o motivo, se ele está querendo conversar, então aproveite, se não for o caso, respeite o seu direito de manter a boca fechada. Caso você realmente precise falar, fale, nós escutaremos. Caso você precise ouvir opiniões mais longas do que uma sentença de três palavras, procure sua melhor amiga, e caso você ache que exista um homem que seja capaz de longas conversas, eu preciso adverti-la de que esse cara aí gosta da mesma fruta que você.


A propósito, não esperem pelo príncipe encantado, ele não existe, e se existir é metrossexual, ou seja, não é homem. Esperem pelo bárbaro, pois este é que será o homem capaz de matar qualquer dragão para lhe manter ao lado, e jamais disputará com você para saber quem tem o cabelo mais fashion...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Revisitando o Abismo

massive abism by kunstler d genocide - deviantart



Aquele que luta com monstros deve acautelar-se
para não tornar-se também um monstro.
Quando se olha muito tempo para um abismo,

o abismo olha para você.


Friedrich Nietzsche

Talvez estejamos todos em um grande livro. Nossas vidas são narradas em uma sequência aleatória de letras e números que se amontoam em páginas viradas e prontamente esquecidas. Nada feito anteriormente, digno de nota, será lembrado como escusa à caligrafia torta que possa um dia fugir à linha. Gosto de sonhar que sou meio kamikaze, embora esteja quase certo de que não serei recepcionado por sete virgens logo após apertar o último botão. Gosto de saber que meus sonhos, aspirações, preocupações e frustrações não são tão importantes quanto uma visita que se perca, ou um mal-entendido que não possa ser superado. Gosto de saber minha real posição neste jogo, e quem me entende sabe: já não vivo mais eu. Imagino que haja quem tenha passado a vida inteira à procura de alguém que encaixe perfeitamente no script longamente ensaiado de sua vida, e, quando encontra, não sabe o que fazer quando descobre que não existe semelhante utopia. E tudo é enfado. E qualquer fala destoante será punida com a dissimulação que é peculiar a quem não tem coragem de olhar o abismo. É compreensivo, o abismo olhará de volta. Sejamos honestos, quem, em sã consciência, sente prazer em se confrontar e descobrir que não é exatamente do que jeito que se imagina ser? Talvez estejamos todos enganados, talvez realmente exista um ponto de onde não se possa voltar, talvez existam grandes esperanças. Talvez o livro tenha final feliz. E quem se importa?

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Vigília

bedroom by fabienbos - deviantart.com



Tento dormir e descubro

O que fazes velando o meu sono?

O que queres mirando meu rosto assim?

Belo eu sei que ele não é

Então, quantas noites mais terei o prazer desta vigília?


Mas, é hora

A noite se vai, o tempo que corre acelerado

Sempre acelerado quando estamos, nós dois, como se fôssemos um

Sol nascendo para o sono que não pude ter à noite

Não há arrependimentos


Toda saudade é expressão da despedida

Todo reencontro demora mais do que seria justo esperar

Mas nestas horas assemelhadas a dias

Resta a certeza de novamente trocar o sono pela vigília

Benditos momentos em que não há nada melhor para fazer


Leva

Através do certo

Por entre os mistérios

Entre teus lábios

Sob tua pele

Em teu respirar

Naquele teu olhar

Dentro de si


Leva

Esta certeza

Estas linhas

Esta fábula

Esta maneira

De falar do amor

Que dedico a ti



Ps.: Esta é oferecida a você, Ana Fernandes. Precisava dizer? Claro que não, pois já sabes tudo isso...


domingo, 9 de agosto de 2009

Crise de Idade Inteira

train by parawan - deviantart



Não temo o raio da silibrina

Não desejo a mulher que nunca dorme só

Não sinto falta da dúvida e há muito não sei o que é perguntar

Não vejo luz no túnel, nem mesmo sei onde fica sua entrada

Não transcrevo conversa fiada

Não tomo partido, não tomo inteiro

Não tenho jeito para galã

Não sei o que é febre terçã

Não seguro a onda, não seguro o vento

Não conheço os pontos cardeais

Não abrigo a maldade, não obrigo ninguém

Não entendo você, nem mesmo eu também

Não torço pelo vencedor

Não me deixo enganar, não sou perdedor

Não perco tempo com mesquinharias

Não tenho um vintém

Não acho estranho o diferente, não faço desdém

Não sei o que quero, não sei onde vou, não olho o trem


Outrora julgava-me capaz de dominar o mundo. E esta é das poucas frustrações que roubam-me o sono. A certeza que tenho é que não consegui meu intento. Hoje sei que foi ele quem me dominou. Não é crise de meia-idade, é crise de idade inteira. Lembro-me do Zeca e seu copo de cerveja que nunca seca. Lembro que é a vida que leva eu. E converso com meus botões fartos de ouvir minhas conjecturas. Abro a lata, vamos bater lata, vamos fazer retirada estratégica, voltemos à prancheta, let’s buy a ticket to ride, e continuemos a seguir em frente. Por isso, escrevo. Aqui, quem manda sou eu.

domingo, 2 de agosto de 2009

Um mundo meio que assim...


Hipocrisia. É uma palavra meio abominada, claro. Mas atire a primeira pedra quem não contribui - ainda que em parcelas escassas - para sua continuidade no mundo... Diz-se que a hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos significando a representação de um ator, atuação, fingimento (no sentido artístico). Essa palavra passou, mais tarde, a designar moralmente pessoas que representam, que fingem comportamentos.

Melhor definição não poderíamos ter. Se você parar um pouco para analizar, nos deparamos com pessoas assim no nosso dia-a-dia. Segundo o cientista cognitivo Keith Stanovich (o foi citado para melhor ilustrar o pensamento) as únicas pessoas que não são hipócritas são a minúscula, e talvez não-existente minoria que é tão santa que nunca se entrega a seus instintos mais básicos e o grupo maior que nunca tenta viver segundo os princípios da moralidade ou virtude.

Mas o hipócrita é assim, ele vai viver na sociedade fingindo emular comportamentos socialmente aceitaveis para a sociedade. Existirão situações e situações onde um indivíduo encontrará diante de uma determinada situação e deverá resolvê-la por si mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e que aceita intimamente, pois o problema do que fazer numa dada situação é um problema prático-moral e não teórico-ético.

Ética! O que é a ética para você? Você tem seu próprio jeito de viver? Você acredita em suas opiniões? Você existe ou você é apenas mais um no mundo que segue pela cabeça da maioria? Será que você é aquela pessoa da moda?

A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é um elemento vital na produção da realidade social. Todo ser humano possui um senso ético, uma espécie de "consciência moral", estando constantemente avaliando e julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas...

O homem tem que limpar o interior e o exterior, tanto um como o outro. Afinal de contas, será que precisamos ser controlados? Discretos? Calmos? Palhaços? Idiotas? Hipócritas?...

"assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e iniquidade" (Mateus 23:28)

A hipocrisia sempre se faz presente em todos. Em algum momento, todos terminam usando dela, em maior ou menor quantidade, o grande problema é que existem aqueles que se acham superiores a isso e às misérias de franqueza humana, e então erguem "bandeiras" de perfeição. E todos sabem que perfeição não existe e mais dia menos dia, isso se revela - a imperfeição. O que se diz "santo", quando cai evidencia isso muito mais, o que aos nossos olhos é hipocrisia.


terça-feira, 28 de julho de 2009

Pobres Formigas

feather on a pond by kureculari - deviantart



Somos como formigas. Caminhamos sob os pés de gigantes. Somos o tempo perdido em dias que não possuem fim. Surpreendemos. Suportamos pesos desproporcionais à leveza que sugerimos. Somos formigas operárias. Trabalhamos para dar conforto ao esperto gafanhoto que nunca passa frio. Nosso comportamento randômico aparentemente determina a ordem do caos que criamos. Somos como o espelho quebrado. Insatisfação eterna com o que vemos, ouvimos e pedimos. Nunca temos o suficiente e tememos nunca ter. Somos a insuportável certeza de não ser, a incerta proeza de vencer, a insuspeitável agonia de não saber. Somos como formigas. Cavamos nossos túneis e neles vivemos às escuras. Somos o oposto do oposto do que é certo e não temos consciência. Somos o fardo pesado que retarda o gozo de uma plenitude que não logramos atingir. Percorremos o labirinto de nossas angústias, catalogamos nossos defeitos, repreendemos nossos sonhos, desacreditamos nossa fé, não deixamos tijolo sobre tijolo, não fazemos acordos, sabotamos nossa improvável felicidade, soltamos impropérios quando deveríamos orar. Somos como as formigas. Incapazes de refletir, não ousamos ter a noção de que ser é parte de uma insustentável e harmoniosa leveza no viver.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O que tenho nas mãos?

Fonte: www.deviantart.com




Grãos de areia que se vão
Gotas de vida que não são
Rito de fim sem razão
Saldo de sonhos em vão
O vir-a-ser nas mãos!

Sinal de gritos e dor
Ausência de palavra e calor
Tempo de silêncio e torpor
Final da ordem sem cor
Nas mãos, nada como valor!


Continua com João, o tema é A insustentável leveza do ser

Ana Fernandes

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um Luar


Uma noite de estrelas...
A lua surge para você.
Nuvens tentam ofuscar,
O lindo luar para você.

Aprendemos muitas coisas,
Conversamos, sorrimos... nos abraçamos.
Uma noite linda para você,
O que mais posso fazer?

Então esperei você,
O que mais posso fazer?
Era só eu e você...

O teu perfume,
Sim, o teu perfume e tua pele,
Fizeram aquele luar o mais completo,
O lindo luar, que era para você.

Um beijo naquele luar,
Eu esperei por você...
Um beijo naquele luar...
Um beijo naquele luar...


terça-feira, 23 de junho de 2009

Às De Ouros...

Quando pego em um às de ouros, que tem um ponto somente
Lembro-me de um grande amor, que hoje está ausente
Logo fecho os olhos e ela se faz presente

Longe do país tive que estar
Em busca de dinheiro para casar
Em um jogo de sorte ou azar

No último dia resolvi arriscar
Nesse jogo madito de sorte e azar
Foi em um jogo de poker que enrriquei por amar

Na minha mão recebi um dez e uma dama de ouros caprichados
Fiz a aposta, e esperei o resultado
Dos três jogadores ficou um, tinha cara de brabo

O cabinha com cara de brabo, apostou tudo e ainda pediu fiado
Para cobrir a minha aposta que eu tinha jogado
Fiquei com medo, pense num medo arretado
...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Regras do Jogo


Regras do jogo


Relapso? Preguiçoso? Atarefado? Eu?! Seja qual for a explicação, é forçoso reconhecer que não tenho escrito no blog com a freqüência que tinha prometido a João. Aliás, acho que o termo freqüência nem se aplica. Eventualidade, talvez. A culpa me perseguindo, assolando meu sono, mordendo meus calcanhares e todos os outros chavões possíveis, me fizeram parir uma idéia que, queira Deus, me obrigue a ser um pouco mais assíduo.


Gostaria de propor uma experiência. Uma criação coletiva. Envolvendo baristas e freqüentadores. Tipo: ao fim vou sugerir um título para a história e indicar um dos outros quatro escritores contratados pelo blog (por falar nisso, meu salário tá atrasado, hein, Jonesy?); o nomeado acrescenta um trecho (em prosa, poesia, foto, desenho, vídeo, diagrama, gráfico, sei lá) e nomeia o seguinte; àqueles que só podem comentar (os que não estão na folha de pagamento ainda), fica a tarefa de contar historinhas incidentais, que não alterem o rumo da história, mas que sirvam de cenário complementar; quando nós cinco (os eleitos) tivermos feito duas inserções cada, o próximo encerra a narrativa. Questões omissas serão solucionadas por (mim) uma comissão julgadora.


Pode ser que não fique uma obra de arte, mas, ao menos, me fará escrever dois posts, resgatará Beto do limbo e movimentará o blog, o que poderá gerar uma receita adicional de publicidade e a conseqüente regularização dos nossos soldos.

Ás de ouro. Continua, por Alessandro Medeiros.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Azulejos

(among the clouds by lastcionz - deviantart)



Ontem mirei um céu de azulejos

E, perdido entre nuvens, ousei perguntar

Para onde voaram meus sonhos?

Que terras mais frias foram eles buscar?

Onde termina a verdade e se inicia a vida?

Céu de revelações

Azul salpicado aqui e acolá de prenúncios

Brancas maneiras de se sentir vivo

Vertigem, vórtice, veraneio sem fim

Uma tarde amena para enlevar a alma

Brisa quente desenevoando a percepção

Uma ou outra questão esquecida

Uma ou outra maneira de se dizer sim

Velas que não se apagam ao vento

Saudade todos os dias

Saudade de todo dia ser assim

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Doença Amiga

O poema abaixo é da autoria do amigo Marcos Macri, poeta e violonista de primeira qualidade. Ele tem outros escritos no baú, vou convencê-lo a nos brindar com outros.





DOENÇA AMIGA

Nutro uma encefalopatia amiga

E a fibrilação de seu abraço

Desconecta minha afinidade com a vida

Como um suspiro antecessor à morte.


Existe algo que não me permito contar,

Acompanha-me ínclito da insônia ao álcool,

Da esquizofrenia à penumbra... e notívago

Anuncia-se com a vinda de uma dor confortante.


Então, ativando uma sensação atemporal,

Faço a noite circundar minhas lástimas:

Haraquiris sem honra, tardios.


Doença Amiga, seja intolerante!

E corte minha longevidade repentinamente

Para que eu não possa me despedir...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

No canto da parede

(Liam in Corner by Moggy - DeviantArt)



Nem ponto, nem vírgula
Alguns acentos espalhados pelo chão
A pena vagueia incerta sobre o papel
Busca de palavras
Sentido ao caos

Em dias como este, quando a inspiração refugia-se acossada em um canto de parede, tudo é mórbida semelhança entre o desejo de expressão e o silêncio do escritor. Acorde desafinado sonhando com uma voz que lhe empreste o tom. E deste mato não sai substantivo, preposições ou interjeições suficientes para referendar o desagrado. Verbo é artigo de luxo. Síntese desaforada exigindo um objeto direto-indireto sobre o qual derramar sua gramática.

Subversão do texto
Contexto de artigos indefinidos
Adjetivos pejorativos
Silepse da alma
Versos mal sucedidos
Agonia descrita em quadras sem rima
Sete laudas percorridas
Sete narrativas perdidas
Sete linhas tortas
Sete plágios
Sete palmos de papel amassado

Seria tolice contar segredos no papel, não vês?

terça-feira, 26 de maio de 2009

Um Fusca, muitas histórias

(Beetle on road by WiciaQ - DeviantArt)


Tenho um fusquinha, muitos de vocês já sabem. É um modelo 1300, cor bege, ano 1975. Gosto do meu em especial, mas gosto da aura que todos eles transmitem. Não sei explicar bem os motivos. Talvez seja o fato de ser um carro meio embrutecido, contudo capaz de suscitar os mais complexos sentimentos. Identificação? Transferência? Quem sabe, deixo as explicações psicológicas para Freud e seus seguidores. Talvez seja o fato da poesia contida em suas linhas simplistas, arredondadas, linhas que completam o horizonte moderno trazendo-lhe um pouco de nostalgia. Seria o motor zumbindo como um besouro?. And we all live in a yellow submarine, that’s right? Não sei… talvez seja tão somente amor, e amor não necessita explicações. Desde que o comprei, com meu mirrado, porém orgulhoso, salário de policial, os amigos entraram na onda e me ajudam a manter o meu sonho rodando. Um som aqui (salve Valcir!), um kit de amortecedores ali (salve Nunes!), uma palavra de admiração e desejo de ter um também (salve Alessandro!). Mas hoje ele está ali, parado, motor batido (misto de falta de óleo, vida agitada e descuido do proprietário...), e sinto falta de dar umas voltinhas. Certa vez fui ajeitar o escapamento avariado e ouvi uma das muitas estórias de Fusca contadas pelos apaixonados pelo velho sedã da Volks. O mecânico disse que havia comprado um modelo todo acabado e que após consertá-lo por inteiro, e provocar a inveja de metade da cidade onde morava, apareceu o verdadeiro dono do veículo. É que a pessoa que havia repassado o carro para o contador da estória não havia cumprido com as obrigações de pagar o financiamento do real proprietário que agora batia em sua porta afirmando que o banco estava a pleitear a devolução do besouro. O mecânico contou-me então que, mesmo apertado, nem morto devolveria o carro para o banco, honrou os pagamentos que faltavam e continuou a tripudiar da inveja alheia. Contudo, certo dia, uma morena espetacular que todos desejavam deu-lhe uma cantada que consistia em dar uma volta num Fuscão preto (justamente por conta daquele velho sucesso brega). Acontece que o Fusca dele não era preto e ele teve que emprestar o de um amigo. Com voz toda animada ele disse-me que a voltinha foi um “tremendo sucesso” e que, motivado pela bela morena, resolveu trocar o seu amado Fusca no Fuscão preto do amigo. O namoro seguiu por alguns meses em alta velocidade até o dia em que a morena não quis mais andar de Fusca e buscou conhecer outros motores. Agora já não tão animado, o mecânico quase sussurrou com voz melancólica: “cuidado com as morenas, meu amigo, cuidado com as morenas...”. É isso. Em todo lugar que chego há uma história de Fusca a ser contada. Talvez seja isso que me prenda tanto a eles, o gosto por histórias. Mas não chegando a nenhuma conclusão, digo o que farei a respeito do assunto: vez por outra conto os causos que escutar e, é claro, vou colocar o meu na estrada de novo para ter as minhas próprias aventuras para relatar.

Fome De Ti


Tenho fome da tua boca, de tua voz, da tua pele,
E pelas ruas vou calado,
Não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,
Busco o som líquido dos seus pés no dia.

Estou faminto de teu riso maroto,
Tenho fome do calor de tuas mãos,
Quero comer o raio queimado da tua beleza,
O nariz soberano do teu misterioso rosto,
Quero comer a sombra fugaz de tuas palavras.

E faminto venho e vou “olfateando” o crepúsculo,
Buscando-te... o teu coração ardente,
Até que o sol torre a tua pele.

Para que possamos continuar vivendo...

Sempre eu, sempre tu, sempre nós.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Poesia X Crítica - Crítica

Registro, inicialmente, a satisfação de ver Alessandro se expressando tão bem na boa e velha prosa. Dificilmente conseguiria se fazer entender em verso. Não por faltar-lhe habilidade, mas por não ser a poesia o instrumento adequado, a meu ver, para a análise a que se propôs. Registro, também, minha surpresa de que algo que eu tenha escrito o tenha motivado à reflexão. Nunca antes na história desta internet um texto irônico e despretensioso produziu uma discussão tão bem pontuada. Gostaria de aproveitar e esclarecer que eu não tenho ódio à poesia em si, como pode parecer vez por outra em meus comentários. Na verdade é apenas uma inabilidade cultivada por anos a fio em relação à poesia como instrumento de comunicação. Como João já me disse, alguém que gosta tanto das letras das músicas não deve odiar a poesia. Excelentes as avaliações da Zélia. Se um dia eu chegar a ver o mundo por um prisma mais colorido, provavelmente terá sido fruto de ingestão acidental de LSD. Nesta ocasião hipotética, soltarei minhas emoções. Em prosa.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Poesia X Crítica

Esse texto foi escrito com o intuito de distração de todos que fazem parte do blog, tanto os componentes, como os degustadores. Abraço para todos.



Sobre este assunto muita gente já falou. Para referendar o que estou dizendo, quero lembrar dois nomes deste blog: Valcir Ortins e Alessandro Medeiros. O primeiro, um crítico; o outro, poeta. Para complementar o raciocínio, cito o famoso escritor João Neto, poeta e crítico. Todos me ajudaram a compreender e a me aprofundar um pouco mais na discussão, que continua.

Ninguém ignora Valcir Ortins, categórico em afirmar a busca da objetividade na construção do verso; que a inspiração não é algo presente na sua obra; que o rigor formal e a consciência determinam a composição literária. Em parte, de certa maneira isso mexe comigo. Não pelo trabalho ou transpiração do criador, mas por não entender o fazer poético sem o bafejo da inspiração.
Acredito que o trabalho de arte deixa de ser essa atividade limitada, de aplicar a regra, posterior ao sopro do instinto. Também não se exerce nunca num exercício formal, de atletismo intelectual, logo o trabalho de arte está, também, subordinado às necessidades de comunicação.
Entretanto, essa mesma exigência é o que me leva a desvencilhar-me da forma poética. Quando as ocasiões da vida fizeram com que eu não continuasse a escrever, instintivamente, eu que quis ser ‘poeta’, comecei a fazê-lo conscientemente.

Mais tarde, descobri que a poesia profissional, tal como se deve manejá-la na elaboração de poemas, pode ser a morte da poesia verdadeira. Por isso, retornei à saga dos poetas, onde acreditam em um amor, seja ele por quem for, sim... no verdadeiro amor. Onde idealizamos e construímos pessoas e situações únicas para quem ama.

No meu entender, Valcir escreve sobre assuntos escritos pela vida, sim. Mas não ao “conto simples”, posto que uma das características principais nas suas obras é justamente a esmerada composição textual, o que faz com maestria. Aliás, foi também ele quem falou: “Uma referência a um grande poeta vivo. Melhor, morto.”.

Acredito que João Neto, na verdade, descobriu que era impossível viver sem a prosa. Logo, produz nas duas formas. O tempo mostra que o que poderia ser apenas uma questão de opção estética, era, a bem da verdade, a escolha da melhor maneira que o autor encontrou para se comunicar com o seu público, mesmo porque na prosa do romancista, desde o início até o final, há uma trama perceptivelmente bem trabalhada, elaborada de maneira miúda, minuciosa, com a preocupação de comunicar bem. Criando, inquestionavelmente, imagens recheadas de poesia.
Recorrendo então a um dos meus versos, para testemunhar que a poesia sem amor, é apenas poesia... e com amor ela se torna A POESIA. Que diz:

“Nada na vida tem um significado... sem um verdadeiro amor.”

A personalidade do escritor, ao escrever, é sempre seu maior obstáculo, pois é preciso encarcerar a personalidade no momento de escrever. Citei grandes nomes da literatura deste blog, só para relatar a grande e imensa importância da poesia e da crítica andarem juntas.

Grande abraço aos poetas e aos críticos.

sábado, 2 de maio de 2009

Eu, etiqueta



Em tempos que temos mais do que somos, um pouco das palavras do Drummond para reflexão...





Eu, etiqueta


Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório um nome... estranho, meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca do cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei, mas não são comunicados aos meus pés. Meu tênis proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça aos bicos dos meus sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade e fazem de mim homem – anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos de mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que era antes e me sabia tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana e invencível condição. Agora, sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória da minha anulação. Não sou - vê lá – anúncio contratado. Eu que minuciosamente pago para anunciar, para vender em bares, festas, praias, pérgulas de piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética? Hoje, sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram recolocam, objeto pulsante, mas objeto que se oferece com o signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de não ser eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem, meu novo nome é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Filosofia do cronômetro

(Green Watch by Amuse - DeviantArt)


Terremoto e peço um chá para tentar sentir o sabor dos dias que passam em martelo agalopado. Ontem já nem lembro, hoje já acaba, amanhã, quando der conta, já se foi. Cajueiro ao lado da casa, vívidas recordações de horas que pareciam anos a saborear cajus. Sombra, água fresca, o mar tão perto que se podia ouvir as ondas e o cântico das sereias que ainda não sonhava desejar . Refeição agora é prova de velocista, engolida e deglutida entre um afazer e outro e não tem mais o mesmo sabor. Tudo é tão mecânico, tudo se inicia ao som do tiro de partida e a pista só tem cem metros. Imperativo concluir o que se inicia em menos de dez segundos, novo recorde mundial batido a cada tic-tac criterioso do relógio que hoje é senhor do tempo e não mais o seu serviçal. Dispositivo surreal travestido de ditador que nos açoita com ponteiros travestidos de tridente. Delírio? Mas acho que sinto o cheiro de enxofre em cada um desses pequenos tiranos. Bomba atômica sobre a Suíça e perderíamos também o sabor do chocolate. Dúvida cruel, paradoxos do capital.

O sol se põe antes mesmo de nascer
A noite é um inocente piscar de olhos
Dias seguem em martelo agalopado
Escuto o Zé contar seus segredos
Dê-me seu dinheiro
Eu preciso comprar um pouco de tempo para viver

terça-feira, 21 de abril de 2009

Aquele ponto no mapa

(Body Map 5.0 by Saicze - DeviantArt)


Não há o que se falar
Dança leviana repleta de símbolos
Arco voltaico
Ponte erigida que liga continentes
Linguagem obscena em tom de prece
É certo que desejos não se consumam com palavras
De certo há pecado que é melhor em braile
E são necessários muitos estudos em abril
De maneira a ler a mensagem da pele
Mapa cheio de segredos
Rota direta ao ponto de exclamação repetido ao infinito

A imaginação é mentira de perna longa
O suspiro exato do que a alma anseia
Enquanto a expedição não se pode consumar
Tem-se espera de progressões geométricas
A ansiedade prega peças ao desavisado
Não haverá viagem que revele o sorriso?
Nem mesmo escala que satisfaça?
Estrada que beire esse rio?
Não há pouso?

E o encaixe que se propõe em versos
Alcança o destino e incendeia
Converte o errado em certo
Reduz o maduro à criança
E esta sabe
Nunca houve mal-me-quer em seu jardim
Bem querer é sempre querer perto de si

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Um Adeus


O que é um clipe de papel?
Tão inocente como o céu.
Preso nele esta a última carta...
O último adeus cheio de fel.

Em um entardecer sombrio,
Lembro-me do teu triste fim.
Se jogaste como uma bituca de cigarro,
Em cima do carro... triste fim.

Um clipe de papel...
Cheio de dores, amargura... fel.

Nosso último entardecer...
Nos pomares de tuas curvas,
Tua pele macia, feito casca de manga madura,
Navego em teu corpo, em busca de prazer.

Antes um menino,
A correr pomares a catar frutas frescas.
Hoje homem...
Continuo a correr, agora por frutas virtuosas maduras.

Um clipe de papel...
Cheio de lembranças, ternura... fel.

Nesta carta você declara,
Nunca pertencerá a ninguém. O mundo aos seus pés... Te amei e a mais ninguém!

Mas o tempo cuidou da gente,
Cada um com seus caminhos,
Em busca de novas paixões...
Em busca do que nunca encontramos.

Neste clipe de papel,
Guardo nossas histórias,
Nossa vida, nosso tempo...
Hoje me jogo ao vento... ao fel. Um clipe de papel.

Alessandro
20.04.09

sábado, 11 de abril de 2009

Onde Nasce a Paixão


Colisão é a distinção de um choque entre dois corpos
Oposição, discórdia, desarmonia...
Que quando perambulado com inteligência,
Nunca se encontrará inútil ao ser artístico.

Os amantes... sim os amantes,
Vivem a colidir frontalmente com a razão e a emoção.
É quando o desocupado coração...
Prescindi de qualquer ajuda.

Mas o que fazer?
A mente já não dá mais opiniões...
Amanhece e você se depara,
Que a noite foi curta para amá-la.

Frontalmente com olhares silenciosos,
Que mordem por dentro e por fora.
Insinuante de certa forma,
Querem se entregar ao tempo do agora.

Infinito quanto dure,
Esse amor, esse agora.
A nudez que calado aflora,
Ter o mundo colidindo lá fora.

Agora amada, nem os olhos verão
O teu toque em meu coração.
Nutridos de pecados e tentação,
Me levam para onde nasce a paixão.


Alessandro Medeiros

11.04.09

terça-feira, 7 de abril de 2009

Amor?



Mais uns versos...
Apreciem com moderação... Abraço a todos.
E obrigado pelas cobranças, só estimulam e me dão mais inspiração.







"A mãe terra está escura
E bem lá no fundo,
Também estou escuro.

Ando por um grande lago,
As águas refletem a noite,
Deixando a lua e as estrelas pra trás.

Amanhece o dia,
Mas, já não é o mais belo dos amanheceres.

Prossigo sozinho pelos campos,
Sina de quem ama, e que não precisa de amor...
E sim, de ser amado.

Quem é essa pessoa?
Tão forte, tão frágil
Tão homem, tão menino... que chora.

Que dor é essa que traz dentro do peito?
Só pode ser amor."

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Graciosa és tu mulher



Para começar Abril, gostaria de homenagear a todas as mulheres (que são a maior fonte de inspiração dos poetas) com esses versos que fiz em 2006.




"Graciosa fonte de delicadeza,
Com Que Deus nos abençoou.

Fonte de força,
Que segue sempre segura,
No sorriso ou na dor.

Fonte de maturidade,
Que um dia foi menina...
Amanhã... Mulher.

Fonte de graça,
Graça, de um dia ser mãe...
Mães que educam o mundo.

Porém tu és mulher, tu és mulher.

Graciosa és tu.
Pura és tu.
Bela és tu.

Teus olhos refletem o amor,
Teu coração suporta a dor,
Teu espírito Deus abençoou.

Graciosa fonte de amor,Com Que Deus nos abençoou."


Alessandro Medeiros

07.03.06

terça-feira, 31 de março de 2009

O que o travesseiro me conta

(hand on the pillow by tju-tjuu - deviantart)



Quisera eu ter as cores certas para pintar a vida na aquarela que ela merece ter. Quisera ter noção do equilíbrio necessário e saber que a corda não é bamba. Mais bamba do que ela é quem nela se equilibra desde a primeira inspiração. Quisera poder expiar os pecados que assaltam à noite. Quisera poder entender o enigma, o sentido, a mentira, a verdade, a bula do remédio e tudo o mais que rouba o sono dos justos. Quisera ter um propósito, conhecer o encaixe, saber-se vivo, afugentar a morte e ser. Ou não ser? O acordo é simples e nele incluo o meu reino. Há algo de podre, o fantasma contou-me segredos em entrelinhas e o furto de palavras dá-me desejo de tomar veneno. Eu sei, é muito barulho por nada. Mas, quanto ao acordo, digo que me bastam algumas respostas, algumas cores e um cigarro ao entardecer. Pintaria a vida em tons amenos e com o pincel desenharia uma placa indicando o caminho a seguir. Quisera saber, de antemão, se mesmo tendo o mapa, a bússola e o compasso, se mesmo tendo lido o azimute com correição, se mesmo que a estrada fosse de ouro e comigo estivessem o espantalho, o homem de lata e o leão, eu não me desviaria para direita ou para a esquerda. Quisera poder respirar bons ares e me deixar seduzir por um sono tranquilo. Mas, por fim, amanhece o dia, e lá se foi mais uma noite em branco.

domingo, 29 de março de 2009

Primeiro Poema de Abril

A Ana Fernandes está com problemas de conexão. Pediu-me, então, para postar um poema do Mário Quintana. Aproveitando-me da situação vejo-me forçado a lembrar-lhe, Ana, que minha pele alva facilita, e muito, o estudo da corpografia...





Primeiro Poema de Abril


Vem vindo o abril tão belo em sua barca de ouro!

Um copo de cristal inventa as cores todas do arco-íris.

Eu procuro

As moedinhas de luz perdidas na grama dos teus olhos verdes,


E até onde, me diz,

Até onde irá dar essa veiazinha aqui?

(Abril é bom para estudar corpografia!)


Mário Quintana

quinta-feira, 26 de março de 2009

A Inveja é uma m... ou Frankenstein

Poetas para cá. Poetas para lá. Os poetas fazem muito sucesso nestas plagas. Movido pelo legítimo sentimento que intitula este post, a despeito da certeza de que não nasci para isso e na esperança de que, ao menos, meu esforço seja reconhecido, resolvi parir uma poesia também. Profundo desconhecedor desta arte obscura, resolvi tentar um método revolucionário de desconstrução. Ou anti-receita de bolo (com hífen ou sem hífen? - e- hífen com acento ou hifen sem acento?). Parti de uma estrutura clássica, sólida e de valor cultural incontestável:

Batatinha quando nasce

Se esparrama pelo chão

Levo papai no bolso

E mamãe no coração

Acrescentei uma pitada de melancolia, quebrei a rima, para ficar moderno, atualizei as relações familiares, extraí o contexto pequeno burguês e mantive a parte mais pungente:

Batatinha quando MORRE

Se esparrama pelo SOLO

Levo o namorado da mamãe A SÉRIO

E a mamãe no coração

E... não estava funcionando. Saem pai e mãe. Mais versos, isso. Entram um toque esotérico, outro politicamente correto. Algo non sense. Algo religioso. Uma referência a um grande poeta vivo. Melhor, morto.

Hórus quando morre

Se esparrama pelo Nilo

Um elefante trago no bolso

Cigarros não trago nunca,

Buda que me livre!

Havia uma batata no meio do caminho

No meio do caminho havia uma batata

E... ah, esquece! Vou voltar à prosa.