quinta-feira, 28 de julho de 2011

Jerônimo Queda-Livre

falling by kelceigh, in deviantart.com


Jerônimo acorda assustado toda vez que alguém salta do avião e grita seu nome. Dizem por aí que sonhar com queda livre é anúncio de crescimento. Crescer para onde, pensa Jerônimo, se já sou homem velho? Crescer na alma, talvez. Nada melhor do que perder o chão para achar tempo para pensar na vida, e lá de cima o horizonte parece ser sempre maior, mais belo e mais próximo de ser alcançado. Embora, argumente Jerônimo, a urgência do chão se aproximando impiedosamente não nos dê muita tranqüilidade para refletir com a sobriedade adequada. Mas não é verdade que também dizem que do chão não se passa? Não se pode viver para sempre, isso é certo. Mas também não se pode viver sempre como se fosse o último minuto, ou ainda pior, viver como se todos os próximos minutos fossem iguais ao último que passou. E o meio termo parece tão sem graça quanto sopa de chuchu. E só se toma tão insípida iguaria quando não se tem alternativas. Jerônimo acorda assustado toda vez que alguém grita o seu nome, raramente lembra dos seus sonhos, todos aqueles que pareciam tão vivos há tão pouco tempo e que agora, perdidos entre sopas e aviões e dúvidas, já não fazem mais sentido (e ele sabe, mas não tem coragem de encarar, que mesmo montado em um rabo de foguete não alcançará mais nenhum deles). Jerônimo, vez por outra, pensa na queda livre, no anúncio do crescimento, na vida severina, na morte da bezerra, e que talvez, a depender da altura do tombo, ele consiga passar do chão.