Sinto falta de escrever. Não digo que a vida só presta reescrita, mas com certeza ajudaria muito poder reescrever uns trechos. Gostaria de poder viver de minhas palavras, mas não encontro eco comercial para elas e, sendo assim, vejo-me forçado a buscar o pão nosso de cada dia em orações que vão das seis às vinte e duas horas. E, após tanta auto-flagelação, encontro redenção na minha cama. Quando estamos lá pelos idos da quinta ou sexta-feira, sou até mesmo capaz de ouvi-la chamando-me pelo nome, mistura de canto da sereia com pozinho mágico lançado por Morfeu. Sábado e domingo? Novas orações (embora não tão intensas) e mais sono sem sonhos e pescoço dolorido por se largar de qualquer jeito sobre o leito que se traduz em conforto para o corpo e mente cansados.
Trabalho, do latim tripallium, instrumento romano de tortura. Ocupações diversas que levam ao mesmo fim, o sustento de necessidades que se avolumam com o passar dos anos. E cá estou eu, desdobrando-me em tantos eus que quase já não sei quem sou.
Mas não devo reclamar. Há muitos que não possuem tanto quanto e que, prazerosamente, trocariam de lugar comigo. E diriam, que venha o tripallium, que venha a tapa na cara, o puxão de cabelo, o jogar na parede e me chamem de lagartixa, ora bolas!
Mas sinto uma falta dolorosa de escrever. Penso que isso, mais do que a carga excessiva de deveres diários, é o que está levando-me a um estado psicológico sui generis. Ouço vozes. Isso faz de mim um louco? E essas vozes contam histórias prontas, demandam serem postas no papel, proclamam versos, rimas, estrofes. Rasgam minha mente uivando sua urgência em retomar o direito à sua parcela de minha vida. Exigem ser escritas, seja no velho português acentuado, ou nesta nova língua cujos acentos preciso redescobrir onde não colocar. E antes que, de fato, eu passe a ser alvo de estudo em alguma casa de repouso (mas vejam só, que eufemismo oportuno!), preciso dar corpo às vozes que me perturbam o juízo.
Tudo isso apenas para dizer que após um longo e tenebroso inverno estou de volta e vou escrever. É preciso. É imperativo. É mais forte e mais intenso e mais urgente do que comer pão.
Trabalhar faz bem à saúde. Deixemos, então, os enfermos trabalharem.
Ps.: Marília, estava mesmo precisando um chute na canela para voltar a escrever. Thanks! Este post vai dedicado a você.