terça-feira, 26 de maio de 2009

Um Fusca, muitas histórias

(Beetle on road by WiciaQ - DeviantArt)


Tenho um fusquinha, muitos de vocês já sabem. É um modelo 1300, cor bege, ano 1975. Gosto do meu em especial, mas gosto da aura que todos eles transmitem. Não sei explicar bem os motivos. Talvez seja o fato de ser um carro meio embrutecido, contudo capaz de suscitar os mais complexos sentimentos. Identificação? Transferência? Quem sabe, deixo as explicações psicológicas para Freud e seus seguidores. Talvez seja o fato da poesia contida em suas linhas simplistas, arredondadas, linhas que completam o horizonte moderno trazendo-lhe um pouco de nostalgia. Seria o motor zumbindo como um besouro?. And we all live in a yellow submarine, that’s right? Não sei… talvez seja tão somente amor, e amor não necessita explicações. Desde que o comprei, com meu mirrado, porém orgulhoso, salário de policial, os amigos entraram na onda e me ajudam a manter o meu sonho rodando. Um som aqui (salve Valcir!), um kit de amortecedores ali (salve Nunes!), uma palavra de admiração e desejo de ter um também (salve Alessandro!). Mas hoje ele está ali, parado, motor batido (misto de falta de óleo, vida agitada e descuido do proprietário...), e sinto falta de dar umas voltinhas. Certa vez fui ajeitar o escapamento avariado e ouvi uma das muitas estórias de Fusca contadas pelos apaixonados pelo velho sedã da Volks. O mecânico disse que havia comprado um modelo todo acabado e que após consertá-lo por inteiro, e provocar a inveja de metade da cidade onde morava, apareceu o verdadeiro dono do veículo. É que a pessoa que havia repassado o carro para o contador da estória não havia cumprido com as obrigações de pagar o financiamento do real proprietário que agora batia em sua porta afirmando que o banco estava a pleitear a devolução do besouro. O mecânico contou-me então que, mesmo apertado, nem morto devolveria o carro para o banco, honrou os pagamentos que faltavam e continuou a tripudiar da inveja alheia. Contudo, certo dia, uma morena espetacular que todos desejavam deu-lhe uma cantada que consistia em dar uma volta num Fuscão preto (justamente por conta daquele velho sucesso brega). Acontece que o Fusca dele não era preto e ele teve que emprestar o de um amigo. Com voz toda animada ele disse-me que a voltinha foi um “tremendo sucesso” e que, motivado pela bela morena, resolveu trocar o seu amado Fusca no Fuscão preto do amigo. O namoro seguiu por alguns meses em alta velocidade até o dia em que a morena não quis mais andar de Fusca e buscou conhecer outros motores. Agora já não tão animado, o mecânico quase sussurrou com voz melancólica: “cuidado com as morenas, meu amigo, cuidado com as morenas...”. É isso. Em todo lugar que chego há uma história de Fusca a ser contada. Talvez seja isso que me prenda tanto a eles, o gosto por histórias. Mas não chegando a nenhuma conclusão, digo o que farei a respeito do assunto: vez por outra conto os causos que escutar e, é claro, vou colocar o meu na estrada de novo para ter as minhas próprias aventuras para relatar.

Fome De Ti


Tenho fome da tua boca, de tua voz, da tua pele,
E pelas ruas vou calado,
Não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,
Busco o som líquido dos seus pés no dia.

Estou faminto de teu riso maroto,
Tenho fome do calor de tuas mãos,
Quero comer o raio queimado da tua beleza,
O nariz soberano do teu misterioso rosto,
Quero comer a sombra fugaz de tuas palavras.

E faminto venho e vou “olfateando” o crepúsculo,
Buscando-te... o teu coração ardente,
Até que o sol torre a tua pele.

Para que possamos continuar vivendo...

Sempre eu, sempre tu, sempre nós.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Poesia X Crítica - Crítica

Registro, inicialmente, a satisfação de ver Alessandro se expressando tão bem na boa e velha prosa. Dificilmente conseguiria se fazer entender em verso. Não por faltar-lhe habilidade, mas por não ser a poesia o instrumento adequado, a meu ver, para a análise a que se propôs. Registro, também, minha surpresa de que algo que eu tenha escrito o tenha motivado à reflexão. Nunca antes na história desta internet um texto irônico e despretensioso produziu uma discussão tão bem pontuada. Gostaria de aproveitar e esclarecer que eu não tenho ódio à poesia em si, como pode parecer vez por outra em meus comentários. Na verdade é apenas uma inabilidade cultivada por anos a fio em relação à poesia como instrumento de comunicação. Como João já me disse, alguém que gosta tanto das letras das músicas não deve odiar a poesia. Excelentes as avaliações da Zélia. Se um dia eu chegar a ver o mundo por um prisma mais colorido, provavelmente terá sido fruto de ingestão acidental de LSD. Nesta ocasião hipotética, soltarei minhas emoções. Em prosa.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Poesia X Crítica

Esse texto foi escrito com o intuito de distração de todos que fazem parte do blog, tanto os componentes, como os degustadores. Abraço para todos.



Sobre este assunto muita gente já falou. Para referendar o que estou dizendo, quero lembrar dois nomes deste blog: Valcir Ortins e Alessandro Medeiros. O primeiro, um crítico; o outro, poeta. Para complementar o raciocínio, cito o famoso escritor João Neto, poeta e crítico. Todos me ajudaram a compreender e a me aprofundar um pouco mais na discussão, que continua.

Ninguém ignora Valcir Ortins, categórico em afirmar a busca da objetividade na construção do verso; que a inspiração não é algo presente na sua obra; que o rigor formal e a consciência determinam a composição literária. Em parte, de certa maneira isso mexe comigo. Não pelo trabalho ou transpiração do criador, mas por não entender o fazer poético sem o bafejo da inspiração.
Acredito que o trabalho de arte deixa de ser essa atividade limitada, de aplicar a regra, posterior ao sopro do instinto. Também não se exerce nunca num exercício formal, de atletismo intelectual, logo o trabalho de arte está, também, subordinado às necessidades de comunicação.
Entretanto, essa mesma exigência é o que me leva a desvencilhar-me da forma poética. Quando as ocasiões da vida fizeram com que eu não continuasse a escrever, instintivamente, eu que quis ser ‘poeta’, comecei a fazê-lo conscientemente.

Mais tarde, descobri que a poesia profissional, tal como se deve manejá-la na elaboração de poemas, pode ser a morte da poesia verdadeira. Por isso, retornei à saga dos poetas, onde acreditam em um amor, seja ele por quem for, sim... no verdadeiro amor. Onde idealizamos e construímos pessoas e situações únicas para quem ama.

No meu entender, Valcir escreve sobre assuntos escritos pela vida, sim. Mas não ao “conto simples”, posto que uma das características principais nas suas obras é justamente a esmerada composição textual, o que faz com maestria. Aliás, foi também ele quem falou: “Uma referência a um grande poeta vivo. Melhor, morto.”.

Acredito que João Neto, na verdade, descobriu que era impossível viver sem a prosa. Logo, produz nas duas formas. O tempo mostra que o que poderia ser apenas uma questão de opção estética, era, a bem da verdade, a escolha da melhor maneira que o autor encontrou para se comunicar com o seu público, mesmo porque na prosa do romancista, desde o início até o final, há uma trama perceptivelmente bem trabalhada, elaborada de maneira miúda, minuciosa, com a preocupação de comunicar bem. Criando, inquestionavelmente, imagens recheadas de poesia.
Recorrendo então a um dos meus versos, para testemunhar que a poesia sem amor, é apenas poesia... e com amor ela se torna A POESIA. Que diz:

“Nada na vida tem um significado... sem um verdadeiro amor.”

A personalidade do escritor, ao escrever, é sempre seu maior obstáculo, pois é preciso encarcerar a personalidade no momento de escrever. Citei grandes nomes da literatura deste blog, só para relatar a grande e imensa importância da poesia e da crítica andarem juntas.

Grande abraço aos poetas e aos críticos.

sábado, 2 de maio de 2009

Eu, etiqueta



Em tempos que temos mais do que somos, um pouco das palavras do Drummond para reflexão...





Eu, etiqueta


Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório um nome... estranho, meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca do cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei, mas não são comunicados aos meus pés. Meu tênis proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça aos bicos dos meus sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade e fazem de mim homem – anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos de mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que era antes e me sabia tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana e invencível condição. Agora, sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória da minha anulação. Não sou - vê lá – anúncio contratado. Eu que minuciosamente pago para anunciar, para vender em bares, festas, praias, pérgulas de piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética? Hoje, sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram recolocam, objeto pulsante, mas objeto que se oferece com o signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de não ser eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem, meu novo nome é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.


Carlos Drummond de Andrade