Quisera eu ter as cores certas para pintar a vida na aquarela que ela merece ter. Quisera ter noção do equilíbrio necessário e saber que a corda não é bamba. Mais bamba do que ela é quem nela se equilibra desde a primeira inspiração. Quisera poder expiar os pecados que assaltam à noite. Quisera poder entender o enigma, o sentido, a mentira, a verdade, a bula do remédio e tudo o mais que rouba o sono dos justos. Quisera ter um propósito, conhecer o encaixe, saber-se vivo, afugentar a morte e ser. Ou não ser? O acordo é simples e nele incluo o meu reino. Há algo de podre, o fantasma contou-me segredos em entrelinhas e o furto de palavras dá-me desejo de tomar veneno. Eu sei, é muito barulho por nada. Mas, quanto ao acordo, digo que me bastam algumas respostas, algumas cores e um cigarro ao entardecer. Pintaria a vida em tons amenos e com o pincel desenharia uma placa indicando o caminho a seguir. Quisera saber, de antemão, se mesmo tendo o mapa, a bússola e o compasso, se mesmo tendo lido o azimute com correição, se mesmo que a estrada fosse de ouro e comigo estivessem o espantalho, o homem de lata e o leão, eu não me desviaria para direita ou para a esquerda. Quisera poder respirar bons ares e me deixar seduzir por um sono tranquilo. Mas, por fim, amanhece o dia, e lá se foi mais uma noite em branco.