segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tripallium

(Working by Enyodanis - Deviantart)




Sinto falta de escrever. Não digo que a vida só presta reescrita, mas com certeza ajudaria muito poder reescrever uns trechos. Gostaria de poder viver de minhas palavras, mas não encontro eco comercial para elas e, sendo assim, vejo-me forçado a buscar o pão nosso de cada dia em orações que vão das seis às vinte e duas horas. E, após tanta auto-flagelação, encontro redenção na minha cama. Quando estamos lá pelos idos da quinta ou sexta-feira, sou até mesmo capaz de ouvi-la chamando-me pelo nome, mistura de canto da sereia com pozinho mágico lançado por Morfeu. Sábado e domingo? Novas orações (embora não tão intensas) e mais sono sem sonhos e pescoço dolorido por se largar de qualquer jeito sobre o leito que se traduz em conforto para o corpo e mente cansados.


Trabalho, do latim tripallium, instrumento romano de tortura. Ocupações diversas que levam ao mesmo fim, o sustento de necessidades que se avolumam com o passar dos anos. E cá estou eu, desdobrando-me em tantos eus que quase já não sei quem sou.


Mas não devo reclamar. Há muitos que não possuem tanto quanto e que, prazerosamente, trocariam de lugar comigo. E diriam, que venha o tripallium, que venha a tapa na cara, o puxão de cabelo, o jogar na parede e me chamem de lagartixa, ora bolas!


Mas sinto uma falta dolorosa de escrever. Penso que isso, mais do que a carga excessiva de deveres diários, é o que está levando-me a um estado psicológico sui generis. Ouço vozes. Isso faz de mim um louco? E essas vozes contam histórias prontas, demandam serem postas no papel, proclamam versos, rimas, estrofes. Rasgam minha mente uivando sua urgência em retomar o direito à sua parcela de minha vida. Exigem ser escritas, seja no velho português acentuado, ou nesta nova língua cujos acentos preciso redescobrir onde não colocar. E antes que, de fato, eu passe a ser alvo de estudo em alguma casa de repouso (mas vejam só, que eufemismo oportuno!), preciso dar corpo às vozes que me perturbam o juízo.


Tudo isso apenas para dizer que após um longo e tenebroso inverno estou de volta e vou escrever. É preciso. É imperativo. É mais forte e mais intenso e mais urgente do que comer pão.


Trabalhar faz bem à saúde. Deixemos, então, os enfermos trabalharem.


Ps.: Marília, estava mesmo precisando um chute na canela para voltar a escrever. Thanks! Este post vai dedicado a você.

4 comentários:

Marília Silveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marília Silveira disse...

Voltou com força total!

Que alegria te ler de novo. E olha apesar dos parcos 25 anos eu já escolhi trabalhar no que me fascina, e largar de mão os "benefícios" da carteira assinada e da "segurança" do 13o. É um preço alto de mais que se paga. E para que?

Não vivo das letras, isso seria mesmo um sonho, mas vivos por trabalhos que me deixem escrever, ainda que não seja só o que eu quero, mas ainda assim escrevo o que me passa quando estudo ou pesquiso alguma coisa.

Enfim é lindo quando escrever se torna necessidade imperiosa do viver.

Belo post e obrigada pela dedicatória! Às vezes esquecemos da potência de nossas próprias palavras.

Ana Fernandes disse...

De todas as coisas que eu sei que vc sabe fazer com exímia maestria, escrever estar entre as que eu mais admiro. Volte sim!!! Eu, ainda não...

Beijos!

Letícia disse...

E chutaram sua canela para que voltasse a escrever. Eu acho que, mesmo trabalhando, você estaria escrevendo. Esteve, aliás. Porque vem com esse monte de informação que estava precisando sair. Acredito que poucos sentem essa necessidade. Muitos escrevem apenas por escrever. Como se fosse mecânico. Mas não é assim. É uma necessidade e como você disse. "É preciso. É imperativo. É mais forte e mais intenso e mais urgente do que comer pão." Eu estou do seu lado. No imperativo, embora haja um certo atravancar no caminho. Mas eu continuo e fico muito feliz que tenha voltado.