quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Não é, eu sei

(Man of the moon by PizzaDreams - Deviantart)


Postulo angústias em tons e cores que fazem o dia parecer mais sombrio. Não é, eu sei. São lamentos dissonantes com sabor de pão dormido. Molho de pimenta em torta de chocolate. Verbo declarado fora do tempo. Clarice sabe transpor sentimentos para o papel e conta-me, em um murmúrio fortuito, que ilusão é ansiar por uma vida sem ela. Ilusão, não a Clarice. Esta, em conluio com o Pessoa, fazem-me companhia nos dias em que, de preferência, gostaria de visitar outras paragens, dançar no fio do trapezista e ter sempre um lugar onde tomar um café aconchegante. Isso fez-me lembrar do cigarro, velho companheiro que agora, vez ou outra, volta a fazer parte dos momentos do livre pensar. Fumaça de locomotiva traiçoeira revolvendo-se em piruetas de incontáveis fórmulas do caos. E dizem que é dele, o caos, que há de surgir a ordem. Não é, eu sei, mas a ideia é um conforto bem vindo. Faço troça do desespero alheio e hoje faz um ano em que se tentou dar o passo maior que a perna. Queda sem tropeço. Castidade mantida e o script é de novela criada para fazer sucesso. Retorno de Saturno aos braços de Vênus. Cópula celeste que recriou o Big-Bang. E poesia serve, antes de mais nada, para reescrever a vida na perspectiva que só o poeta vislumbra. Linhas que rasgam o horizonte na harmonia necessária para transcender o sentimento e colocá-lo no papel. A Clarice sabe do que estou falando e me diz, de maneira sensata, que é chegada a hora do ponto final.

3 comentários:

Letícia disse...

John,

Pensei que tivesse desistido de escrever. Por isso não estive por aqui. Soube que tem trabalhado bastante e isso consome o tempo que a gente pode se dedicar mais a escrever. Lembro do começo - do Empty Garden. Tudo era inocente. Mas agora é pra valer. Palavras caindo por todos os lados e a gente tentando equilibrar tudo. Foi isso que absorvi de seu texto. A Clarice tem muito a dizer e admito. Muitas vezes o que ela diz me fere. Porque é verdade, mesmo que seja dito como ficção. E os poemas do Pessoa também me dizem coisas. Coisas certas e boas de serem ouvidas. E fumaça de cigarro me diz que o tempo é curto.

Como sempre você escreve humanamente bem. Não exagera, não força, não dá a volta ao mundo. É preciso. E concordo...

"E poesia serve, antes de mais nada, para reescrever a vida na perspectiva que só o poeta vislumbra."

(João Neto)

Coragem, amigo. E que o tempo seja mais bondoso conosco.

Zélia disse...

João,

Saudades daqui! Pelo menos você anda em boas companhias. Fico triste pelo cigarro - mesmo que sendo vez por outra. Bom, saber que "não é" é o primeiro passo para se viver uma vida sem ilusão. A ansiedade nos destroi e quem vive uma vida que não tem acaba por não vivê-la. Festeje-mos a vida que temos! Sem esquecer, é claro, que ela pode ganhar uma pitadinha de tempero sempre que der...

Bjo!

Marília Silveira disse...

Não é, você sabe. No entanto é assim que sente. Fazer o quê? Um pouco de possível, senão eu sufoco (nos diria Deleuze). Um possível de cada vez e o caos vai ganhando ordem, aquela necessária para seguir o caminho até que novo caos se instale.

é pura vida o que leio ali. viva-a meu caro, e fume seus cigarros. às vezes parece que só eles nos trazem alento. te entendo (ou tento) e acompanho.

um abraço forte apertado!