quinta-feira, 25 de agosto de 2011
À Deriva
À deriva
Entre o mar que não acaba
E o sol que não perdoa
Não há terra a vista
Nem mesmo há prazo
Para se chegar a lugar nenhum
À deriva
E se navegar é preciso ou impreciso
Derivar é perigoso
Amar, amor, amante, amando, a mando...
Estar à deriva é ainda pior do que estar perdido
É estar impotente, dependente de marolas
Correntes marinhas
Tormentas anunciadas ou não
Indo e vindo e indo e vindo e indo e vindo
E não lhe parece cansativo?
É aguardar por algo que não vai acontecer
Aquele momento épico quando a carta sai da manga
Quando a cavalaria chega e assassina todos os assassinos
Quando Poirot soluciona magicamente o caso
Acaso não é bom assim?
História com fim planejado e porto seguro
Virgem beijando lascivamente
Promessas de mil e uma marolas
E indo e vindo e indo e vindo e indo e vindo
De lugar nenhum para nenhum lugar
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
São Jorge e o Dragão

O homem foi à lua
Pisoteou-a, registrou em fotos e voltou
Ela não era feita de queijo
Não encontraram São Jorge, tampouco o dragão
Não estava cheia, não era nova
Não minguava ou crescia
Mandava suas ordens telepáticas
Enfurecendo ou acalmando os mares
Eles não foram ao lado escuro
Lá não há luz, nunca
Lá só há mistério e conjectura
Não foi medo, estou bem certo
Eles tinham lanternas
Mas não foram e agradecemos por assim ser
Ainda há esperança de que poetas e amantes tenham razão
São Jorge e o Dragão empanturrados de queijo
Quietinhos no escuro
Zombando em silêncio
O Melhor Espresso de Todos os Tempos
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Jerônimo Queda-Livre

Jerônimo acorda assustado toda vez que alguém salta do avião e grita seu nome. Dizem por aí que sonhar com queda livre é anúncio de crescimento. Crescer para onde, pensa Jerônimo, se já sou homem velho? Crescer na alma, talvez. Nada melhor do que perder o chão para achar tempo para pensar na vida, e lá de cima o horizonte parece ser sempre maior, mais belo e mais próximo de ser alcançado. Embora, argumente Jerônimo, a urgência do chão se aproximando impiedosamente não nos dê muita tranqüilidade para refletir com a sobriedade adequada. Mas não é verdade que também dizem que do chão não se passa? Não se pode viver para sempre, isso é certo. Mas também não se pode viver sempre como se fosse o último minuto, ou ainda pior, viver como se todos os próximos minutos fossem iguais ao último que passou. E o meio termo parece tão sem graça quanto sopa de chuchu. E só se toma tão insípida iguaria quando não se tem alternativas. Jerônimo acorda assustado toda vez que alguém grita o seu nome, raramente lembra dos seus sonhos, todos aqueles que pareciam tão vivos há tão pouco tempo e que agora, perdidos entre sopas e aviões e dúvidas, já não fazem mais sentido (e ele sabe, mas não tem coragem de encarar, que mesmo montado em um rabo de foguete não alcançará mais nenhum deles). Jerônimo, vez por outra, pensa na queda livre, no anúncio do crescimento, na vida severina, na morte da bezerra, e que talvez, a depender da altura do tombo, ele consiga passar do chão.
sábado, 16 de abril de 2011
Carbono Repetitivo
Mais do mesmo me enfada
A repetição me enfada
A repetição me enfada
A repetição me enfada
Mais do mesmo
Sempre mais do mesmo
Os verões passam, passam-se os dias
Fica-se mais velho, o sol fica mais frio
E caminha-se? Não, nem mesmo a passo de formiga
Patinação eterna, mesma paisagem
Percam-se as esperanças
Ninguém é um floco de neve, único e especial
Somos apenas carbono ambulante, falante, mesquinho e repetitivo
Mais do mesmo, e me enfado
Tudo azul, mas azul à maneira inglesa
Há quem viva trinta anos
Há quem viva cem anos
No fim, ambos ganham o mesmo prêmio
A morte, amiga certa, destino errado
No segundo caso há de se ganhar um pouco mais de tédio
E é só
Termômetro pendurado no poste marca 30 graus
Lá fora cai a neve
Cai neve aqui dentro
quinta-feira, 10 de março de 2011
Missivas Noturnas
"Para mim também é noite: isso não é um consolo?"
Bachelard
Não, não é um consolo... Em primeiro lugar porque não me apraz saber que a noite alcança a todos, principalmente amigos como você. Em segundo lugar, o sofrimento alheio não mitiga o meu, pelo contrário, exacerba ainda mais o meu pesar, posto que sinto como em minha pele fosse a dor que é tua. Jamais aceitarei a lógica infame de comparar dores. Eu sei, pareço egoísta (e certamente comporto-me como tal), mas pragas, mortes, fome e guerras não eclipsam o meu martírio, seja ele grande ou pequeno se comparado ao martírio vizinho. A minha dor é minha, e por ser minha é maior do que a todos. Ouso dizer-lhe, sob pena de parecer exagerado e dramático demais, que minha dor é maior do que todas as outras dores somadas, haja vista doer em mim, roubar meu sono, revirar-me o estômago e, principalmente, roubar-me a felicidade em viver. Não, meu caro amigo, tua noite em nada traz consolo à minha. E assim, despeço-me. Meu caminho tem sido de certa forma tão insosso que até o prazer em escrever foi-me retirado.
Um abraço, ainda que desolado.
Do sempre seu,
Jean Baptiste.