terça-feira, 11 de novembro de 2008

O Preço

(Imagem por A Constant Brother - DeviantArt)

É o preço a pagar por pensar. O preço a pagar por sentir. Dane-se essa maldita capacidade de se colocar no lugar do outro. Empatia, dizem os psicólogos. Fraqueza, dizem os que dominam. Caráter, dizem os manuais de boa educação. O homem atravessa a vida e assiste a sua obra desmoronar. Chega à meia-idade e questiona-se. É o preço por saber pensar. Ir um passo além do noticiário da TV. Ir um passo além do livro sugerido pela lista dos mais vendidos. Ir além e adiante. Shazam! Nada aconteceu e ele continua ali, no meio da multidão, sozinho, querendo saber por que a galinha atravessou a rua. E, afinal, quem veio primeiro, a covardia ou o conformismo? Olho de Thundera, dê-me a visão além do alcance! E seus óculos já não lhe servem, e a ideologia distorce a realidade, e a fatura do cartão chegou, e a mulher ligou pedindo pão e ovos, e a filha ligou dizendo que vai sair com aquele drogado-tatuado-cabeludo-motoqueiro, e ele tem provas para corrigir durante todo o final de semana. É o preço a pagar pelas toneladas de filosofia estudada, por haver retrocedido quando deveria seguir adiante, por não ter desferido aquele soco no colegial, por preferir a diplomacia ao invés da força. Deve haver uma maneira. Deve haver uma via. Deve haver algum livro de auto-ajuda que lhe diga o que fazer. Lá fora, fora de si, deve haver um lugar onde não se possa se esconder. É o preço a se pagar. Tudo gira em torno do capital, e sobre tudo há imposto, nervo exposto da carne que é fraca e apodrece aos poucos sobre os ossos cansados e descalcificados pela Coca-Cola. É estranho, é sórdido, é, ao mesmo tempo, tão comum quanto mentira virar verdade estampada na primeira página. É o preço. O apreço àquilo que não trará bonança. A dança, a valsa, o xote daqueles que não possuem culotes. E onde está o meu Deus ex-machina, pergunta-se o desavisado protagonista desta ópera grega em mal maior. E ele sabe que no fim não haverá ninguém para amarrar as pontas da história. É o preço. É o preço da ausência do freio, da ausência de fé. Das luzes que cegam e não indicam a saída de emergência. E ele entra na farmácia, precisa de pílulas que lhe tragam sono e sorriso fácil. Pague no caixa, diz a atendente.

10 comentários:

Zélia disse...

É verdade! Tudo na vida gira em torno de um preço a se pagar. Sempre foi assim e acho até natural em certo ponto. Afinal, todos temos que "dar para receber". O problema é que as pessoas estão esquecendo da Verdade. Daquilo que realmente importa: "Amar a Deus e ao próximo como a si próprio". O "preço" para isso todo mundo pode pagar...

;)

Marília Silveira disse...

Sim querido João, amargo este café. Amargura da realidade. Pé em Deus e fé na Taba como dizem os Tribalistas.

Mas acredite, não estamos sozinhos, veja só estamos falando em blogs diferentes de um mesmo tema. Assim tenho descoberto, ainda mais hoje depois de ter vivido o exercício da democracia na universidade. É difícil perceber as vezes, mas se olhar com atenção... não faltam olhos enxergando, corpos sentindo, angústia sem fim, é fato... atravessada por momentos de gozo.

Um abraço!

Camilla Tebet disse...

Estou acabando o texto e indo pra farmácia. Feliz porque ainda posso pagar.
"E, afinal, quem veio primeiro, a covardia ou o conformismo?"
O policial, poeta e cartunista.

Letícia disse...

João,

Acredite. Ontem eu estava no banco e fiquei observando as pessoas e vi todo mundo como uma marcha de soldados carimbados. E fiquei ouvindo as conversas ao meu redor e agora me vem seu texto e é tudo que ouvi, só que embasado na visão que você, escritor, possui. Porque o escritor sabe dos riscos. Não-escritores também, mas os que escrevem sofrem por saberem dos riscos a sofre ainda mais quando trabalham palavras e a verdade é esta. Vida incompleta porque a vida não é a propaganda de produtos dietéticos. Você tem mão forte quando fala de nossa submissão aos padrões e ainda, quando fala que seguimos uma sinfonia ilógica de "vidas que devem ser iguais". Admiro sua capacidade, John. É um cronista e vive de olhos abertos.

E se eu mudei ao escrever, você mudou ainda mais. Talento cresce ao passo dos dias.

E estou ouvindo Aimee Mann. Recomendo, caso não tenha visto, o filme Magnólia. É isto. Pílulas para sorrir e aguentar a chuva forte.

Take care, Dear Friend.

Ju disse...

Até que não pode ser pago tem algum tipo de preço mesmo...
E pensar às vezes pode doer e corroer mais do que qualquer razão orgânica...
Em mim costuma ser assim...

Ju disse...

P.S. A trilha sonora acabou comigo!
Cinema e música podem ser pílulas! :)

Narradora disse...

É engraçado o saber, esse momento em que você desperta e realmente enxerga, aí não tem mais volta. É o preço.
Intrigante e difícil. Muito bom.
Bjs

*blackcat* disse...

Olá, tdo bem...
Lendo suas palavras e ouvindo U2.
***
"Eu pago o preço, não me conformo, aí sofro, é o preço."
Complicado e interessante, gosto do seu inteligente ponto de vista, faz muito sentido.
Bjs. Até +

Camila disse...

João,

Todos nós pagamos um preço por saber pensar e outro (maior, na minha opinião) por ter que sentir. E assim, "tudo gira em torno do capital", porque, pra viver, também pagamos um preço. E só falei no preço que as coisas têm, mas elas também têm peso. E talvez o remédio seja o que é preciso pra aguentar tanta carga, não nos ombros, mas na alma.

Gostei do café e da carta. Parabéns pelas palavras.

Abraços.

(Vim timidamente através do blog Julyana.)

Jacinta Dantas disse...

Talvez...talvez, o mais dolorido do preço, seja "comprar" alegria em forma de capsulas de alenthus. Mas, é o preço.
Gostei de te ler. Bom, flui legal e a gente vai se vendo em tantos e tantos preços a apreços.
Um abraço